segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Meus filmes favoritos: Por que "Corpo Fechado" é uma analogia perfeita para um cinema dominado por filmes de super-heróis?



Eu gosto de filmes de super-herói, hoje em dia é quase impossivel ser completamente contra o gênero, só em 2016 foram lançadas 6 adaptações de quadrinhos (Guerra Civil, Doutor Estranho, Batman v Superman, Esquadrão Suicida, Deadpool e X-Men Apocalipse), e mesmo que você não goste dos atuais da Marvel e DC, você provavelmente deve ter gostado da Trilogia Batman de Christopher Nolan, que eram indiscutivelmente bons filmes.

Mas é inegável que o gênero para muitas pessoas está se tornando cansativo, até eu que admito gostar acho meio chato quando todos os trailers de uma sessão são apenas de filmes de super-heróis, ou
quando ocupam as salas e horários que poderiam ser reservadas para outros filmes.


De qualquer forma, quero levá-los ao inicio dos anos 2000, quando esse gênero estava bem distante de seu ápice, onde os melhores filmes de heróis até então eram os dois Batman de Tim Burton, Blade - O Caçador de Vampiros e o recém lançado X-Men: O Filme.

Na mesma época, pessoas estavam super ansiosas para assistir o novo filme do diretor M. Night Shyamalan (definitivamente eram outros tempos), após o estrondoso sucesso de "O Sexto Sentido", todos queriam ver qual seria o próximo suspense com um plot twist de explodir cabeças que o diretor estava reservando.


Toda a campanha de marketing apontava que esse seria um suspense sobrenatural, até o titulo do filme "Corpo Fechado" (Unbreakable no original, que significa Inquebrável) era instigante, pense bem, parece o titulo de algo que Hitchcock faria.

Imagino a surpresa do público quando descobriram que Corpo Fechado se trata de super-heróis, e um filme de heróis nada empolgante, mas parado, dramático e que jogava com os conceitos do gênero que são tão comuns hoje em dia, mas que não eram tanto na época.


Até mesmo o twist final parecia forçado apenas para capitalizar a memória de seu filme antecessor, é fácil ver porque Corpo Fechado foi uma decepção quando lançado.

Levou algum tempo para ele ser reavaliado, eu diria que foi o momento quando Shyamalan começou a fazer péssimos filmes, que as pessoas voltaram para ver onde foi que ele começou a errar, e Corpo Fechado parecia um alvo fácil, mas acredito que no momento que essas pessoas o assistiram novamente, devem ter notado que o filme era muito melhor do que pensavam originalmente.

Tanto que Corpo Fechado talvez seja o melhor filme do diretor, e certamente é um dos melhores filmes de super-herói de todos os tempos.


A trama é bem interessante, fala sobre um homem comum chamado David Dunn (Bruce Willis) que é o único sobrevivente de um acidente fatal de trem, o mais estranho é que Dunn não teve um arranhão sequer, o que cria suspeitas ao redor dele.

Esse caso chama a atenção de um deficiente físico aficionado por quadrinhos chamado Elijah Price (Samuel L. Jackson), que acredita que Dunn tem super poderes, e começa a se infiltrar na vida dele e de sua família, enquanto o próprio Dunn passa a se questionar o mesmo.

Com essa sinopse, parece algo bem comum do gênero, mas nenhum outro filme representou isso tão bem e de forma tão realista, já tivemos outros filmes que tentaram o mesmo, como Kick-Ass e Super (ambos de 2010), mas esses acabaram seguindo o caminho da comédia escrachada, enquanto Corpo Fechado é mais sério e dramático.


Aconselho que quem estiver interessado no filme pelo pouco que contei vá procurar assistir, pois agora entrarei em spoilers e comentarei até sobre o final.

Mesmo o personagem principal tendo super poderes, ele nunca deixa de parecer um homem comum, com problemas familiares com o filho e a esposa (a primeira cena é ele tentando trair ela com outra mulher, sem sucesso), ele nunca se sente melhor por ter esses poderes, é quase como um fardo, ele só decide se tornar um herói porque é a coisa certa a fazer, mas ele nunca pediu por isso

Corpo Fechado não é glamourizado, o uniforme de Dunn é apenas uma capa de chuva, ele não usa máscara, mas apenas um capuz, e ele não luta contra vilões monstruosos de outra dimensão, ou terroristas fantasiados como o Batman do Nolan.


Alias, Dunn apenas luta uma vez durante o filme todo, e é contra um serial killer. Em qualquer outro filme de super-herói, uma luta apenas seria bem anti-climático (como no Quarteto Fantástico de 2015), mas o filme todo é construído para atingir esse ápice, então essa luta curta acaba sendo muito mais emocional do que qualquer outra que vi no gênero, a trilha sonora espetacular de James Newton-Howard certamente ajuda muito.


Elijah Price, o aficionado por quadrinhos, é obcecado pelos mitos de super-heróis, ainda mais pelo fato dele ter uma doença que faz seus ossos serem mega frágeis, e ver alguém que é literalmente indestrutível (como o titulo em inglês) o faz ter esperanças novamente.

Spoilers sobre o final a seguir:

E isso me leva ao final, que quando vi pela primeira vez achei forçado, mas que com o tempo comecei a admirar, é revelado que foi Elijah quem sabotou o trem e causou a tragédia, e que ele cometeu diversos outros acidentes apenas para encontrar um "super-homem", alguém que fosse inquebrável.

Parece meio improvável, mas é preciso pensar que Elijah via o mundo como uma história em quadrinhos, e a forma de encontrar um herói foi se tornar um vilão, e se você olhar as mitologias de alguns personagens famosos, o vilão principal é sempre a antítese do herói.

O Batman se veste de morcego e luta por justiça, o Coringa se veste de palhaço e comete crimes, eles se complementam porque em um mundo normal o Coringa é apenas um doente mental, mas em um mundo onde um homem-morcego faz parte da realidade, isso abre margens para outros malucos se fantasiarem e saírem a solta.

É o mesmo aqui, tudo que Dunn precisa para ser um super-herói completo é um vilão, e Elijah é a antítese dele, Dunn é indestrutível, Elijah se quebra por qualquer coisa por conta de sua doença, tanto que as outras crianças durante sua infância o chamavam de "Senhor Vidro", o que ele viu como o nome perfeito para um vilão.

Elijah é o Lex Luthor, o Coringa e tantos outros, ele é a peça que falta para transformar aquela realidade numa história em quadrinhos.

"Agora que sabemos quem você é, eu sei quem sou
Eu não sou um erro, tudo faz sentido
Em um quadrinho, você sabe como dizer quem vai ser o arqui-inimigo?
Ele é exatamente o oposto do herói
E na maioria do tempo, eles são amigos como eu e você..."

Esse tipo de desconstrução é perfeita para os dias de hoje, em um cinema dominado por filmes de super-heróis, Corpo Fechado ainda é o mais realista e mais dramático, e sua essência nunca foi replicada por outros filmes do gênero.

Até diria que esse filme é tudo que "Homem de Aço" prometeu ser pelos trailers, e é o que Ang Lee tentou fazer com quando dirigiu o primeiro Hulk, mas nenhum conseguiu tão bem quando Shyamalan.


Não sou apenas eu que sinto isso, Corpo Fechado é considerado um dos filmes mais subestimados dos anos 2000, até o famoso diretor Quentin Tarantino listou esse como um de seus filmes favoritos de 1992 até 2009 (numa entrevista na época de Bastardos Inglórios) e o chamou de "Uma das obras primas de nossos tempos".


Corpo Fechado é meu filme de super-herói favorito, pelo menos sobre o assunto, é claro que um filme como O Cavaleiro das Trevas ainda é melhor em vários aspectos, mas o título de mais emocional ainda pertence a esse.

Se fosse lançado hoje, seria considerado uma perfeita analogia ao cinema de super-heróis, uma quebra dos clichês tão comuns do gênero, mas como foi lançado em 2000, quando não era tão comum, a mensagem acabou passando um tanto despercebida.

Eu até diria que Corpo Fechado finalmente encontrou sua época nos dias de hoje.





  

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